Nós todos somos o amanhã!

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Saturday 16 August 2014

O Ideal da Imagem Simétrica e Plastificada (Artigo de 12/12/2013 para o Portal Eu Sou Especial)


Dia das Mães, dia dos Pais, dia das Crianças, Natal – lindas propagandas na TV sempre buscando incentivar o consumismo só usam modelos bonitos, simétricos, sempre seguindo um PADRÃO de beleza linear e artificial.

Tudo bem que, de um tempo para cá, podemos reparar numa pretensa atitude “politicamente correta” de trazer sempre pelo menos um negro ou mulato entre o branco moreno e o branco loiro e às vezes, um ruivo. Mas e o índio? E o gordo? E o deficiente? Não vemos um down, um PC, um autista, um cadeirante, um amputado.

Estou muito tocada com a ausência de crianças especiais na TV, nos comerciais, nos desfiles, nas novelas, nos filmes.

Reparei em alguns comerciais específicos, analisando os contratantes e as agências que trabalham na contratação do elenco – o que pensa essa gente que contrata? Que tipo de pessoas eles buscam e por que? Por que gostam de mostrar famílias quase que cirurgicamente plastificadas – pai, mãe e filhos sempre atléticos e “perfeitos”?

Nas propagandas de fraldas e demais produtos de higiene infantil a única diversidade que vemos é a racial. Notamos que sempre se inclui uma ou outra criança negra ou parda para não receberem nenhuma crítica de racismo.

Nos comercias de Natal, por exemplo, no meio daquele monte de duendezinho lindo, não tem uma criancinha deficiente. Porquê? Qual o verdadeiro motivo? Ficaria feio? Repugnante aos olhos do consumidor que só quer ver o “normal” e “perfeito”? Deficientes não fazem compras, não são consumidores?

O diferente nunca se encaixa no perfil do contratante, que acha que seus consumidores só gostam do que é "bonito, magro, simétrico e estético".

O vídeo da Visa - Uma Acolhida Mundial para a Copa do Mundo FIFA 2014descrito como “o mais épico canto de futebol do mundo, executado pelo Coral das Crianças de Petrópolis” contou com uma centena de crianças brasileiras que se reuniram no topo de um morro carioca para dar as boas-vindas às 32 seleções qualificadas para a Copa do Mundo FIFA - o foco multirracial foi claro mas não mostrava nenhuma criança "diferente"!

As novelas até tem se esforçado mas 1 down, 1 paraplégica e agora 1 autista estão muito longe de representar os 24 % de pessoas portadoras de deficiência que fazem parte da população brasileira.

Esses 24 % de brasileiros, portadores das mais diversas deficiências também são consumidores, comem, bebem, vestem, usam produtos de higiene e limpeza, praticam esportes, usam cartões de crédito, estudam e também compram brinquedos!  

Se a novela trabalhasse a realidade dos diferentes, se nas propaganda do supermercado, do cartão de crédito, dos produtos de limpeza e higiene, dos produtos de beleza também estivessem incluídos atores e modelos portadores de deficiência, com certeza todo mundo estaria mais acostumado a lidar com a diferença. Tudo seria mais fácil se as pessoas pudessem ver a diferença em qualquer canto!

Talvez um fabricante de fraldas percebesse que não é só o público infantil que precisa de fraldas para piscina, ao contrário, muitos deficientes poderiam usar a piscina para se tratar e melhorar seu potencial se tivessem ao seu alcance fraldas de banho para adultos!  

Até adquirir uma cadeira de rodas para um deficiente é difícil pois as empresas  só querem fazer cadeiras padronizadas, nem sempre adequadas para cada indivíduo em particular.

Recentemente  um grupo suiço chamado "Pro Infirmis" divulgou um video mostrando a crianção de manequins inspirados em pessoas portadoras de deficiência:


Não podemos trabalhar com um ideal de pessoa padrão – pessoas não são manequins e os manequins deveriam refletir pessoas reais e não o sonho de beleza plastificada simétrica das pessoas que, cada dia mais, estão insatisfeitas consigo mesmas e, cada vez mais cedo, estão sendo influenciadas a se submeter à cirurgias plásticas, que não são simples nem isentas de riscos como muitos tentam fazer parecer!

* Consuelo de Freitas Machado Martin, Graduação em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (1997), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2002), aperfeiçoamento pela Fundação Escola Superior de Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (1998). Professora Universitária,  Advogada e Ativista Social.

Ser mãe é tempo integral! (Artigo de 05/12/2013 para o Portal Eu Sou Especial)


Esta semana me deparei com o seguinte desabafo no facebook: " Para os pais de autista, tudo gira em torno do autismo. Não dá para desvincula-lo da nossa vida. Tudo é azul desde que amanhece até anoitecer.24 horas por dia! Ano à ano! Quando nós pais, poderemos respirar aliviados? Socorroooooooooooo......"

Li, reli, refleti - depois comecei tudo de novo... Espero que não terminem por LAMENTAR alguém ter me chamado nesta conversa.

Em primeiro lugar, devo dizer que, para mim, nenhum pai/mãe, no sentido mais amplo e protetor que esta palavra deve ter, pode ou deve, respirar aliviado NUNCA. É pela respiração aliviada de uns que muita criança vira um PC depois de uma queda "acidental" ou algum "acidente" na piscina. O respirar aliviado faz com que pais faltem com seu dever de cuidado para qualquer criança, tenha ela necessidades especiais ou não.
 
Ser mãe é tempo integral, é um "cargo" para o qual não temos férias, folga, hora de almoço e é para a vida inteira - a maternidade é, de fato, um caminho sem volta, graças a Deus! Não consigo  e nem quero imaginar a dor de perder um filho.

Quando decidi ter um filho, não sabia que ele seria "diferente" mas já tinha em mente que minha vida iria mudar: eu deixaria de ser dona de mim mesma, de minhas vontades, de ser prioridade  e o centro da minha vida,  perderia minha independência.  Desde o momento em que foi confirmada a gravidez, deixei de ser eu, Consuelo com todos os predicados sociais e profissionais adquiridos para ser " a mãe do Arthur".

Por saber que seria uma mãe absolutamente rigorosa e ciente do meu papel, casei e engravidei depois dos trinta, com carreira estabilizada e sucesso profissional e não lamento em nenhum momento todas as mudanças que tive que operar em minha vida, nem das escolhas que fiz.  Largar tudo pelo Arthur foi um preço pequeno comparado  a todo o amor que recebo dele diariamente, ao calor de seu olhar a mim direcionado.

Abdiquei de minha carreira jurídica internacional, de minhas viagens, de lecionar para acompanhar cada sessão de fisioterapia, dar cada banho, alimentar,  trocar fraldas. Não deixei de  ser esposa ou de trabalhar, sou daquelas que tem JORNADA TRIPLA mas tento usar os intervalos com sabedoria e durmo menos.

Apesar de ter a sorte de ter enfermagem tempo integral não transfiro minhas obrigações de mãe, não delego a eles nenhuma atividade direta com meu filho sem a minha presença  - eu aceito ajuda pois também não sou de ferro mas quem tem obrigação de dar banho no meu filho sou eu!

Costumo brincar dizendo que "Arthur cortou minhas asas" mas não é verdade.  Minhas asas estão aqui, do mesmo jeito, mas entendo que o Voo só deve ir até onde Arthur alcança.  Não consigo me imaginar frequentando nenhum lugar em que ele não possa estar, eu não seria feliz lá, sem ele. Não consigo me imaginar viajando sem ele, comemorando nada sem ele. Qual é a graça de comemorar meu aniversário sem meu filho, sair para jantar sem ele, viajar sem ele?  Nada na minha vida tem nenhum propósito sem ele!  Por quê?   Porque eu escolhi ser mãe!

Ser mãe não é só dar à luz, é  suprir, proteger, criar, educar. Ser mãe é ser o "primeiro tudo" do filho - o primeiro médico, o primeiro enfermeiro, o primeiro terapeuta, o primeiro professor... somos nós que estamos mais próximas, que vamos prestar a primeira informação, o primeiro socorro - é esse o meu lugar.  Não abdico deste lugar em momento algum e não cedo para ninguém, apenas para minha mãe e meu pai, já que foram eles que me criaram para ser a mãe que sou!

Se alguém tem que ser exigente com ele, obrigá-lo a comer quando não quer, impor obstáculos, remédios e exercícios muitas vezes indesejados, esta pessoa tem que ser EU, a mãe dele, a mesma mãe que vela seu sono, o acaricia e o esquenta durante às noites. Não gosto que ninguém mais o alimente, o acalente, brinque com ele ou o faça dormir. Gostaria de ter super poderes para não precisar dormir, comer ou descansar, para não precisar ter que dividi-lo com ninguém.   Gostaria de ter oito braços, uma coluna de ferro e energia para ficar 24 (vinte e quatro) horas por dia em alerta.

Muita gente estranha o fato de compartilharmos o mesmo quarto e de nossas camas estarem coladas uma na outra.  Não é por falta de espaço, aliás, o que mais temos é espaço. Mas como o ditado que meu pai sempre diz, "o que engorda o gado é o olho do dono".  Nestes oito anos, eu e meu marido já cansamos de  acordar de nossos cochilos e ver a enfermeira do outro lado dormindo; por diversas vezes Arthur veio rolando me acordar para me mostrar que estava com febre. Fato é que a vida já me mostrou que nenhuma enfermeira vai botar a boca na boca do meu filho para chupar vomitado, cuspir e soprar ar na falha do aparelho, para salvar a vida dele - existem coisas que só mães fazem e não é qualquer mãe!

Arthur dorme ao meu lado, quando quer, pula e dorme no meio da mamãe e do papai.  A enfermagem fica acordada nos olhando dormir, checando os sinais vitais dele,  incumbida de me acordar a qualquer hora caso ele acorde ou precise de mim.
Fico lembrando que há 8 anos uma médica me disse que ele não vingaria, que era completamente surdo, nunca andaria, sentaria ou teria controle da própria cabeça e não passaria dos 5 anos de idade.  Se ele está aqui hoje é porque nós acreditamos nele.  Minha família, ao invés de se dividir, se uniu -  ele nasceu numa família de pessoas que acreditaram no potencial dele.  

Nesta família ninguém me considera uma mãe estranha, super protetora ou exagerada, na verdade, todos concordam comigo. Se preciso ir ao banheiro grito e em dois segundos chega um avô, uma avó ou uma tia correndo para acompanhar Arthur e a enfermeira até eu voltar. Nesta família sabemos que "todos juntos somos forte".

- Privacidade?  - De que me vale a privacidade se ela pode custar a vida do meu filho?

- Casamento?  -  Vai bem, obrigado.  Arthur tem pais presentes e que vêm nele o resultado de seu amor, de seu projeto vida.

Quanto a ser mãe de uma criança "diferente", já se foi o tempo em que eu sofria pelas coisas que Arthur não podia fazer.  É claro que toda mãe deseja que seu filho seja independente e saudável mas não podemos passar a vida toda lamentando por coisas que não podemos mudar. A maturidade e a vivência me ensinaram a vibrar pelas coisas que ele pode fazer e, cada dia que passa ele pode mais e mais. O melhor que posso fazer por ele e por mim é acreditar em seu potencial e lutar para que ele tenha tudo o que for necessário para desenvolver esse potencial.

Ser mãe de uma criança especial pode não ser fácil, mas quem disse que viver é fácil?   É claro que precisamos de um pouco de tempo para encontrar o ritmo, o que é normal. Todo mundo precisa de tempo para se acomodar e se ajustar a tudo o que sai diferente do planejado. Passadas as fases de choque, medo, raiva, dor e incertezas vem a adaptação. O ritmo de nossas crianças é diferente, temos que respeitar o tempo deles, aceitar o passo mais lento. Com o tempo, aprendemos a diminuir nossa velocidade para parar e apreciar cada pequeno detalhe, que para muitos pode ser imperceptível ou bobo mas que para nós, mães especiais, tem um valor imensurável.

A mãe especial espera ansiosa o momento da bagunça, da malcriação, acha lindo quando ele finalmente consegue colocar o dedo no nariz ou cuspir a comida... aprendemos a dar muito valor às coisas mais simples da vida. 

Sim, todo o meu dia gira em torno do Arthur: ausência de diagnóstico, intolerância alimentar grave, paralisia cerebral, comportamento assemelhado ao espectro autista... carga horária de enfermagem, troca de plantão, terapia entrando e saindo - já perguntaram se em minha casa funciona alguma empresa de tanta gente que entra e sai o dia todo. Arthur come de três em três horas, nos intervalos, fazemos terapia, brincamos, estudamos.  Atendo infindáveis telefonemas, vou ao fórum correndo e volto, sempre contando com a ajuda da vovó e do vovô. Mas sim, o trabalho também gira em torno do Arthur pois ele é minha razão de viver.

Quando vou desvinculá-lo de minha vida?  Nunca. Quando vou respirar aliviada?  Respiro aliviada sempre que ele está ao meu lado, calminho, saudável, para que eu possa zelar pela felicidade dele.

Eu era: Consuelo de Freitas Machado Martin, advogada, mestre em Direito, professora universitária, lecionava em 4 instituições. Antes do nascimento do Arthur, estava preparando meu projeto de doutorado. Além disso, exercia a advocacia, inclusive na área do Direito Internacional, representava Agencias Estrangeiras de Adoção Internacional e viajava muito.

Depois da maternidade, eu sou: Consuelo, a mãe do Arthur e tudo mais que decorre daí…

- Felicidade?   Sim, sou feliz. Se ele estiver feliz, eu estarei feliz.

* Consuelo de Freitas Machado Martin, Graduação em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (1997), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2002), aperfeiçoamento pela Fundação Escola Superior de Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (1998). Professora Universitária,  Advogada e Ativista Social.