Tenho quatro filhos. De vez em quando penso comigo: não parecem nem da mesma mãe. João, Gregório, Barbara e Theodora têm estilos bem diferentes e cresceram com a minha maneira de lidar com eles, não só respeitando, mas valorizando isso.
O Gregório nasceu sabendo tudo, leu sozinho, argumentava sobre qualquer assunto como um palestrante desde criancinha, mas nunca gostou de sair de casa. Os amigos iam e e vinham e ele ficava aqui, recebendo. Era muito tímido quando pequeno, segurava a barra da minha saia, tinha pavor de monstros e palhaços e roía muito as unhas. Meu pai, que é psicanalista, um dia aconselhou: - Matricula agorinha no teatro e no futebol, tem que botar um fio terra nesse menino.
E assim foi feito.
Já a Barbara nasceu com uma mochila nas costas. Um dia, com 4 anos, anunciou: - Vou para a Praia Seca.
Eu espantei-me. Como assim? Eu nem sabia onde era isso. De fato, me ligou em seguida a mae do colega de maternal avisando que já estava tudo combinado entre ela e o amigo de 5 anos. E lá foi ela. Passei o fim de semana ao lado do telefone esperando que ela me ligasse arrependida, com medo de ficar na casa de estranhos. Que nada, apareceu de volta só no domingo à noitinha, de shortinho, com uma cesta de goiabas que ela mesma colheu nas árvores por onde se pendurou. E cresceu assim, dormindo pela casa das amigas, fazendo viagens inoráveis e sempre estudando muito. Aos 18 anos foi morar em Paris sozinha e se formou na Sorbonne.
A Theodora, festeira e animada, conhece a cidade inteira é extrovertida e carioca. A vida pra ela é uma grande festa e estudar é um programa de índio, difícil de se encaixar na agilidade do seu tempo. Conhece todas as musicas e grupos do planeta, e tem um Ipod fixo nas orelhas. Sua agenda de telefones [e maior do que a da Liege Monteiro.
Mas devo confessar que eu valorizo tudo isso e sou apaixonada pelos estilos de cada um por ter tido o João, meu primogênito, aos 22 anos. João veio ao mundo com uma síndrome rara, de difícil diagnostico, e logo de cara impôs à família inteira a sua condição de “diferente”. Nada aconteceu na hora prevista. Ele demorou a falar e, em vez de mamãe, disse: - Carro!
Ele demorou a andar e não engatinhou, ele demorou a fazer tudo o que outras crianças fazem sem os pais se darem conta. Mas cada coisa que o João fazia era uma vitória nossa, uma grande alegria, um passo importante.
Hoje em dia o Gregório é ator e escritor, a Barbara trabalha com livros, a Theodora, na sua militância adolescente, pensa em música e fotografia, e o João é feliz, adaptado, namora, trabalha e faz dança de salão. Procuro estar com eles individualmente, fazer viagens com cada um e nunca comprar presentes em série. Fujo das contas de igualdade, do tipo: o que um teve, o outro terá idêntico. Pra mim, um teve, o outro não, mas terá de outro modo. E de uma maneira acho que isso prepara para a vida que não padroniza, que improvisa, que surpreende e precisa da tolerância e da compreensão do outro. Cada filho é único, cada filho é um mundo maravilhoso indo de encontro ao arquétipo da alteridade.
(texto de Olivia Byinton - Colunista Convidada da Revista O GLOBO de 31 de Janeiro de 2010)
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